2002-12-26

Comprei um livro num sebo, aliás faz muito tempo que não compro um livro novo na loja. Não lembro agora qual era, mas era um livrão legal, não era romance, não. Alguma coisa cabeça dos anos 1980. Depois de uns dias, quando fui folheá-lo, vi que nas primeiras páginas, onde ficam os dados da edição e sobra muito espaço em branco, havia uma longa escrita que pensei ser dedicatória. Não era. Era um insight etílico, por assim dizer. Imagino que o cara deva ter escrito no primeiro papel possível que encontrou. A moça, mais nova - havia esse dado no texto - devia estar apagada enquanto, sob pouca luz - isso eu imagino - o cara estragava o livro dela. Eu fico imaginando, às vezes, porque bons livros vão dar em sebos. Este pelo menos era auto-explicativo, trazia uma história e uma mutilação em potencial. Talvez o livro fosse emprestado, uma amiga o teria emprestado à namorada do coroa, sob a promessa de que seria muito bem cuidado e, posteriormente, devolvido. Por isso não se deve emprestar livros. Uma desordem quimicamente incentivada na noção de auto-importancia do sujeito e ele acha que a insegurança dele, ou sua própria concepção acerca de relacionamentos afetivos, é mais importante que um livro alheio. E, para o livro, dali para o lixo, era uma questão de tempo. Curiosamente o mesmo destino que imaginaria, quem lesse a tal missiva, teria tido a tumultuosa ou inexpressiva relação descrita unilateralmente. Em todo caso, restou que na minha mão, finalmente, chegassem essas agora três histórias: a do bêbedo-cabeça, a do livro abandonado e a do livro propriamente (pensado, escrito e editado). Quem compra livro em sebos convive com nomes de fantasmas desconhecidos, anotações de estudo e rabiscos de crianças - hoje adultos - em suas páginas. Rabiscar pensamentos obscuros em livros, no entanto, é uma egolatria barata. Fiz o que deveria ter sido feito antes, e esta seria minha interferência simplificadora na trilogia: arranquei a dita página, piquei e lixo. Não há complacência nem para a estética mais rasteira.