2003-06-14

A Bel era soprano. Novinha, afinada, mulher de músico, meio desligada, mas inteligente, tinha tudo para virar cantora. O Coral do Banco deslanchava e contrataram uma profissional, cantora lírica, para ensinar-lhes técnica vocal, respiração e um pouco de leitura. Incentivada pelos amigos começou a ter aulas particulares com a tal professora. O caminho certo, porque escola de música é fábrica de fracassos. Tudo ia bem, fazia progressos com sua voz, até que um acontecimento insólito afetou drasticamente sua quase carreira. Todos devem se lembrar de quando, num concerto em Americana (SP), o chão do teatro cedeu e engoliu a Orquestra Municipal de São Paulo e parte do Coral Lírico e do Coral do Estado. Ninguém morreu, mas a cena, que até hoje aparece na chamada de “Most Amazing Vídeos” e programas do gênero, é impressionante.
Segunda-feira e Bel chega para sua aula semanal, no apartamento da professora. Não sabia de nada, claro. Porém o telefone não parava de tocar e a professora, ainda dolorida da queda, mal conseguia dar aula. “O que houve?”, perguntou. E a professora começou a contar-lhe. Tudo. Estrondo, silêncio, quinto compasso do Hino Nacional. Partituras, instrumentos, senhoras de longo, óculos e maestro. Os piores pesadelos de Pernalonga e Harvey Comics juntos, em cores e com trilha sonora ao vivo. A Bel de olhos arregalados, o queixo caído perante a narração de quem vivera tudo aquilo. Sim, a professora estava lá, sobreviveu por milagre. De repente, vinda não sei de onde e pelas mãos de qual demônio, aquela vontade de rir. Começou a lacrimejar, ardia por dentro. Já não ouvia nada, aliás tentava não ouvir mais nada porque só aumentava o desejo de rir. Procurava pensar em outra coisa e balbuciava “Nossas” e “Ais” e seu corpo se sacudia. A professora gesticulava e levantava a roupa para mostrar hematomas. E a Bel desatou a rir. Parou, mas foi pior, porque começou de novo mais descontroladamente. Tudo funcionava ao contrário, quanto mais constrangedora a situação ficava, mais ela ria. Rolava, não conseguiu se desculpar. Nunca mais voltou, desistiu da música.