2002-12-26

Correio Sentimental:

Você gosta de criar raízes, não gosta? tem algo de terra em seu zodíaco, não?
No entanto alguma coisa o força a destrui-las. Por que você tem de conviver com esse aparente paradoxo?
Vou explicar a você, leitor, de uma vez por todas:

"Brahman destrói e cria o universo, ciclicamente, sendo ambas as operações de índole mágica ou alucinatória. Já nos Vedas, Deus é o Feiticeiro que cria o mundo aparente mediante a força mágica de Maya, a ilusão. Dois motivos de natureza muito diferentes foram sugeridos para justificar as emanações e aniquilações periódicas do universo; para uns o processo cósmico é natural e involuntário como a respiração, enquanto que para outros é um jogo infinito da divindade ociosa. (...).
Para ilustrar a natureza fictícia do mundo, Sankara nos fala do erro daqueles que confundem uma corda com uma serpente, detrás da serpente imaginária há uma corda real, enquanto que atrás de todas as cordas e serpentes há uma realidade, que é Deus. Nossa ignorância nos faz supor que a corda é uma serpente e o universo uma realidade. Sankara afirma que o universo é obra da Ignorância e da Ilusão, sendo estas aspectos de uma mesma essência. Não existem Maya e Deus; Maya é um atributo de Deus, como o calor e o resplendor são atributos do fogo. Aquele que chegou à visão direta de Deus já não pode crer que este crie ilusões. O Cosmo é a ilusão cósmica; o corpo, o Eu e a noção de Deus como criador são facetas parciais dessa ilusão."

(Borges, Buda. Difel: Rio de Janeiro e São Paulo, 1977.)